Fonte: Blog – Confidências Públicas & Besteiras Súditas
Autora: M. Albright

Não é nada agradável ter uma notícia ruim logo pela manhã, mas tem sempre aquele dia infeliz que você resolve cutucar a internet quando ainda está acordando e lá está ela, esperando por você: decidiram expulsar uma aluna porque ela foi pra universidade com o vestido curto demais.

O.o
(e daí?)

Resolvi ler melhor…

Seria alguma notícia do Afeganistão onde queimam as moças que tentam ir pra escola com ou sem véu? Ou talvez do Paquistão, onde sua cunhada ou esposa pode ter o corpo ateado fogo com álcool se vc homem assim o desejar e porque vc assim o deseja e tá tudo bem. Ou quem sabe em um país distante da África, onde as mulheres têm o clitóris extirpado ainda bem jovens. Não minha gente, não era uma notícia de nenhum destes países e nem de um país muçulmano extremista qualquer, era do meu país, o Brasil.Pior, da cidade mais moderna e cosmopolita do Brasil: São Paulo.

Aff…

Como intelectual milhares de coisas passaram pela minha cabeça, congelei por alguns segundos. Seria a volta da intolerância da época da ditadura? Ou pior será a ‘nova ditadura’, agora instalada por uma mistura de acesso à tecnologia com ignorância em doses imensuráveis?

O fato é que a estudante, que foi para aula com a roupa que quis, sentou e assistiu a aula bem na dela, mas acabou escoltada universidade afora sob os gritos de “puta!!!”. Não bastasse esse circo desnecessário -na época da internet que mostra o nu em detalhes pra quem quiser ver- a guria foi e-x-p-u-l-s-a. Sim, expulsa. Afinal, quem levaria a culpa, a ‘puta’ ou os marmanjos que incitaram a gritaria a fim de afirmarem sua macheza? Talvez, seja o momento de reviver a “Caça às Bruxas”, de defender novamente a “família cristã, a moral e os bons costumes brasileiros”…

Ótimo, e eu com isso? mas estamos no país onde nas praias, o bíquini é tão pequeno que a parte de cima e a de baixo podem caber juntas numa única mão e ainda é possível fechá-la e bem. Então, se é possível na praia, porque não é possível em outro lugar? A nudez é a mesma, não é?

São os famosos “códigos de vestimenta”. Ninguém te ensina que vc não deve pegar o ônibus pelado, vc entende sozinho. Ninguém te ensina que teu corpo é teu e vc faz com ele o que bem entender, veste nele o que bem entender, você aprende sozinho. Ninguém te ensina que o corpo de uma mulher brasileira é somente dela, você aprende que ela não tem direito à ele pela cultura que você está inserido. (infelizmente, mulheres e homens ainda aprendem isso aqui nesse país)

A gritaria na faculdade me cheira à frustração e à defesa do patriarcado machista, que está por um fio.(isso até o finado Durkheim no s.XIX já dizia…) Talvez a moça do vestido rosa fosse um provável objeto de desejo de muitos rapazes da instituição e não dormisse com nenhum, o que pode ter gerado desejo, desejo desesperado e depois ódio por ela ser dona de seu próprio corpo e poder ser vista, mas não tocada. Talvez fosse o contrário e a moça dormisse com todos, por isso mesmo, por ser livre e fazer o que bem entendia foi condenada a pagar pela liberdade de que dispôs. Em ambos os casos, ela estava no direito dela e ninguém tinha nada com isso, mas ela mexeu com o imaginário dos rapazes de 20 anos, que passam horas de seu dia em frente ao computador olhando as fotos das mulheres virtuais e mentindo no msn, mas quando vão para a vida real não conseguem ter desenvoltura ou performance ou gozos estonteantes dentro ou fora da cama.

A geração na casa dos 20 anos está frustrada e agarrando-se no que pode, defendendo valores antigos porque não consegue situar-se meio aos novos. Há um abismo entre o que a mídia promete em matéria de beleza e de sexo e o que é possível conseguir sem apertar um botão -numa transadinha qualquer. No Brasil, infelizmente, raras mulheres posicionam-se corretamente. A maioria ainda apanha, abaixa a cabeça e até agradece por isso, afinal ela tem um homem. Aceita ser escurraçada e exposta, aceita a culpa. São filhas, que depois viram donas de casa, submissas e ignorantes à sociedade machista. Seres ainda não humanos, sem voz e sem vez. Quem não me acredita, pare de pensar que o Brasil é só Sul e Sudeste e assista ao filme FILHOS DO SOL. É uma pequena amostra do que acontece aqui na nossa realidade.

O homem brasileiro moderno está moderno porque tem o celular novo, o tênis com a tecnologia tal, o carro com air-bags, mas está perdido, revoltado, agressivo e sente-se desonrado. Ainda reveste-se da necessidade de comandar o tempo todo, de ser o detentor do mando, o senhor de escravos, mesmo tendo a própria pele parda. A dicotomia entre senhor-escravo(a) apresentada tão bem por Darcy Ribeiro no Povo Brasileiro ainda permanece vivíssima.

E a mulher brasileira? Está tão perdida e revoltada quanto o homem. Frustrada, chateada, insatisfeita e com a cabeça cheia de sonhos novelescos. Querendo o que não tem e cega para o que tem e poderia fazê-la feliz. Ela, em relação ao homem, não está contribuindo em nada. Ela que poderia desmistificar e ajudar o homem nessa confusão toda, não sabe , não quer ter outro papel que não seja o de vítima. Uma vez chamada de puta, cala-se. Pior de tudo, não sabe impor-se para não dar a chance de ser chamada assim.

Não é o vestido curto que me faz escrever este texto, é uma manifestação cultural de ignorância atrás da outra. Os homossexuais sendo espancados, no shopping os pais berrando com os filhos e vice-versa porque não se toleram mais sem a roupa da marca tal e o o celular igual ao de não sei quem. As pessoas não tem o que conversar, a cultura virou um comprar sem sentido, um insultar o outro gratuitamente porque o vazio está insuportável demais.

A mulher brasileira descobre, aos poucos, que seus novos seios de silicone e seus cabelos iguais ao da revista tal, não lhe trouxeram satisfação e nem prenderam seu homem. Os homens descobrem que serem detentores de um pênis não os livra da agonia e da aflição de não serem super-heróis e super-homens e super-fodões quando sozinhos colocam a cabeça no travesseiro para dormir. A informação traz a satisfação imediata e na mesma rapidez que a traz, a leva. As pessoas já viram isso, estão irritadas e estão se expressando, pergunto-me quando começarão a buscar outras formas de serem felizes.

Quase todo homem desprezado tem como reação clássica chamar a mulher de ‘puta’. Isso desde sempre. Nem tinham inventado ainda o tal Jesus e já era assim. É uma confissão do quanto estava interessado e do quanto dói ela ter dito que “não, jamais, sem chance nenhuma”. Já no livro e no filme “LIGAÇÕES PERIGOSAS”, a condessa de Merteuil, pleno século XVIII, tem sua imagem exposta por seu amante e parceiro de jogos sexuais maquiavélicos Valmont como a ‘puta malvada’. Impressionante como entre tantas coisas que as mulheres podem ser chamadas, ‘puta’ é o que ainda magoa mais. Acho que é porque elas não entenderam que não são apenas uma periquita, um par de seios e um depósito para o desejo masculino ou feminino. (lésbicas também penam no purgatório…)

Pelo sim, pelo não, se o Brasil não parar de emburrecer vai ser sempre medíocre. O desenvolvimento de um país, especialmente o econômico, passa pelo processo de educação de sua população, pelo processo de independência da mulher e da liberalização feminina. Se quer aumentar o PIB, as mulheres devem estar em peso no mercado de trabalho. Se quer uma corporação fortíssima, o maridão deve lavar a louça para a esposa executiva dar uma g
rande virada no mercado financeiro. Todos os países mais bem sucedidos e ricos são também os mais bem educados e resolvidos culturalmente quanto ao espaço dado ao homem e à mulher.

A própria revista THE ECONOMIST já publicou vezes sem fim artigos falando sobre a necessidade de os países árabes descolarem religião de economia, para as mulheres poderem estudar e trabalhar e contribuir no crescimento econômico e por consequência, cultural desses países. Senão eles vão ficar para trás. Logo vão publicar um artigo explicando porque, sem investimento em educação – para todos- o Brasil ficou para trás. BRICs vai virar história…

E por último pergunto-me, que fato a imprensa não nos conta e que é tão importante, para nos ocupar com a notícia do microvestido rosa, quando deveríamos estar lendo sobre o que realmente nos interessa como profissionais e como brasileiros e cidadãos de terceiro mundo num mundo globalizado e ultra cruel? Distrai-nos, sem dúvida…pergunto-me para que, para quem…

À moça do vestido, desejo o mesmo que para a cultura brasileira: um melhor posicionamento e crescimento. Ao leitor deixo um alerta: há sempre uma notícia muito mais relevante por trás de um vestido. Pense, pense em camadas e destrinche o que há além do que se vê. E por último um desabafo: este ainda não é o país que eu quero representar. Lamento…

M. Albright

Veja a história…

 
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